Um passado que nunca existiu
Ultimamente têm vindo a ser editados livros, DVD e cassetes vídeos com imagens das antigas colónias, nomeadamente de Angola e Moçambique. O seu sucesso tem sido tão grande que nem o super-mediático Miguel Sousa Tavares resistiu à tentação de fazer uma edição ilustrada do seu Equador, com fotografias da era colonial.
Segundo o Diário de Notícias, que trata hoje o assunto, tal sucesso dever-se-á ao facto de a maioria dos portugueses ter um conhecimento muito limitado do modo de vida das antigas colónias que, apesar de pertencerem ao mesmo país, estava nos antípodas do que se passava da metrópole.
Temendo o aparecimento de sociedades que pudessem vir a reivindicar a separação da Metrópole, (a independência do Brasil teve a sua génese num fenómeno semelhante), o Estado Novo sempre dificultou a emigração para as colónias, sendo indispensável a célebre “carta de chamada” aos que pretendiam emigrar. Esta exigência só desapareceu com as guerras coloniais, mas nessa altura a emigração já estava voltada para a Europa.
Se a censura foi a arma que permitiu ao Estado Novo a manutenção do poder, foi também ela que impediu os portugueses de conhecerem melhor as suas colónias. Basta passar os olhos pelos jornais da época para confirmar que a generalidade das notícias sobre as colónias eram de carácter oficial, quase sempre a propósito da visita de uma qualquer Excelência a tão remotas paragens.
No que ao desenvolvimento das colónias dizia respeito, o Estado Novo só acordou quando os movimentos nacionalistas deram os primeiros tiros. Até lá, contrariamente ao que uma parte da oposição defendia (Norton de Matos), o Estado Novo nunca se mostrou disponível para apostar com seriedade no desenvolvimento das colónias. As colónias estavam entregues a grupos económicos e o estado “limitava-se” a garantir que os seus (deles) interesses não eram beliscados. Era assim com o açúcar, o sisal, o algodão e o café. Nos minérios mandavam as multinacionais.
Salazar sempre desconfiou do que se passava longe do seu quintal e, apesar da retórica, não tinha qualquer simpatia pelas colónias, contrariando uma ideia feita. Em quarenta e oito anos de governo, nunca pôs os pés num barco ou num avião para as visitar.
Os que invocam o castigo que aplicou aos que se renderam em Goa ou a ordem de “para Angola rapidamente e em força”, tentando provar o contrário, ainda não se aperceberam de que sofrem da mesma cegueira histórica que o acometeu.
Tanto as velhas gerações, que tinham das colónias as imagens dispersas dos postais da baía de Luanda e da “Costa do Sol” em Lourenço Marques, como as novas, já circunscritas ao rectângulo europeu, se maravilham com o sortilégio das memórias deste império, servidas a retalho em DVDs.
Não sei se, como eu, muitos têm a sensação de estar a ver um passado que nunca existiu.
2 Comentários:
Melhor seria chamar-lhe "Um passado que não mais existe". Que é para acabarmos de vez com o saudosismo do colonialismo e "daqueles tempos".
Essa reposição de peças antigas com recurso a cenários edílicos que apenas escondem e adormecem um passado de verdadeiro terror e opressão continuda de geração após geração, devia ser mais motivo para reparação e de cooperação empenhada do que para comemoração.
Então aquilo está nas fotografias e nunca existiu...?!
Abraço amigo.
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial