Liberalismo de conveniência
A história contava-se nos anos que se seguiram ao 25 de Abril. Como é sabido, a revolução teve um impacto particular na sociedade rural do Alentejo e muitos acreditaram que a ilusão se transformara em realidade.
Num desses povoados rurais viviam dois compadres. Um pobre e ingénuo, como é sina dos humildes, e outro abastado e finório, como são os remediados deste país.
O pobre tinha uma junta de burros para lavrar as courelas que ninguém queria enquanto o rico passeava em montadas altivas pelas charnecas atrás da caça.
Com as teorias da democratização dos meios de produção a impor-se por todo o lado, o rico aproveitou e pediu os burros ao pobre para lavrar a terra das pastagens. Por que havia de pagar se, agora, era tudo de todos?
Ao outro bem lhe custou ficar duas semanas sem os animais, mas, se o compadre rico lhe garantia que agora eram todos iguais e na democracia tinham de ser uns para os outros, que os levasse. Talvez um dia lhe pedisse o cavalo, pensou, conformando-se.
A ocasião proporcionou-se quando teve de visitar um familiar que vivia num monte mais afastado e se lembrou de levar o cavalo ligeiro do compadre rico.
Que não. O animal era muito sensível e só se dava com ele, reagiu o outro, mal disposto, como se lhe pedissem a mulher. Até o cavalo se ria se o visse esporas...
- Como o compadre falou na democracia… – desculpou-se o pobre, envergonhado.
- Então o compadre não sabe que a democracia é só para os burros? - estranhou o rico, recusando emprestar-lhe o alazão.
A história ocorreu-me por ver Fernando Ulrich, presidente executivo do BPI, defender a passagem dos bancários para o Serviço Nacional de Saúde e o consequente desmantelamento dos SAMS, bem como a transferência da responsabilidade pelas respectivas pensões de reforma para a Segurança Social.
Nos últimos dez anos os bancos reformaram milhares de pessoas, muitas delas com menos de 50 anos, sobrecarregando naturalmente os fundos de pensões. Mas não deixaram de aumentar os lucros de ano para ano. Pelo contrário. É pública e notória a rentabilidade dos bancos portugueses, sendo dos poucos sectores onde a crise não é visível.
As pensões de reforma são asseguradas pelos bancos, que gerem os respectivos fundos de pensões. A assistência médica dos bancários é garantida pelos SAMS, cujos serviços são uma referência na prestação de cuidados de saúde, numa área tão carecida de boas referências.
Quanto à Segurança Social, o sector bancário é um contribuinte praticamente líquido, uma vez que os descontos para a Caixa de Abono de Família dos Bancários têm contrapartidas insignificantes.
Numa altura em que se defende a diminuição do peso do estado na sociedade, este devia ser um exemplo a seguir, ainda para mais bem sucedido.
Mas não. Pela boca de Fernando Ulrich, os supostos liberais querem reverter tudo isto para cima do orçamento do estado.
As ideias liberais só se aplicam ao que lhes convém, ou serão só para os burros?
1 Comentários:
Estás a ver como pela boca morre o peixe?!
Pois é...
O liberalismo é isso mesmo: menos Estado, melhor Estado.
Vamos ver se nos entendemos.
Menos Estado, quando se trata de alienar sectores altamanete produtivos que ainda se mantêm (e sempre se deveriam manter) na posse do Estado, por deles resultar a satisfação de necessidades básicas comuns a todos os cidadãos.
Melhor Estado, porque, do ponto de vista dessa gente, o Estado é quem deve fazer a "caridade" de tratar da saúde, da educação, de matar a fome aos desempregados...
No fundo, todos sabemos que o que se pretende é pôr o Estado totalmente ao serviço do poder económico e financeiro.
Espertalhão, esse sr!!! Aproveita a maré do nivelamento por baixo para se eximir às suas responsabilidades...
Estamos bem entregues, sem dúvida!
(jcm)
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