terça-feira, novembro 08, 2005

Os netos de Ben Bella

As últimas vezes que a França se socorreu do estado de emergência (l’état d’urgence) foi durante a guerra da Argélia - 1955-1962 - e em 1984 na Nova Caledónia. Num caso a guerra era uma certeza (Argélia), noutro, uma ameaça (Nova Caledónia).
Agora é a própria capital que está em perigo, com os netos de Ben Bella a lançar o pânico “dans les banlieues”?
A diferença está no que os move. Enquanto os avós lutavam pela independência da Argélia, o único propósito dos netos é a desobediência civil e a generalização da instabilidade. Julgam-se vítimas de uma sociedade de cujo modelo social não abdicam, mas não suportam a ideia de ter de aceitar a disciplina e as regras da sua vivência.
A propósito, convém lembrar a reacção muçulmana à proibição do uso de sinais religiosos nas escolas públicas francesas.

A inclusão dos imigrantes numa sociedade não se pode fazer contra os valores dessa sociedade.
Para o fundamentalismo muçulmano não é assim e o resultado está à vista.

1 Comentários:

Às 14/11/05, 23:00 , Anonymous Anónimo disse...

Na minha opinião, estamos perante um assunto que, por demasiado extenso e complexo, não “cabe“ neste espaço. Mas como estou no terreno – salvo seja! – e vivo “côte à côte” com os problemas da imigração em França, não ficaria bem comigo próprio se não deitasse aqui a minha colherada.
Os bandos de jovens que têm vindo a semear desordem e violência nos arredores de algumas das grandes cidades francesas, não são apenas os netos de Ben Bella mesmo se, nestes, quisermos incluir os descendentes dos imigrantes de todos os países do Norte de África. De facto aqueles bandos integram senegaleses, marfinenses e outras etnias oriundas de antigas colónias francesas, além dos franceses, que são muitos, descendentes, em terceira ou quarta geração, de imigrantes provenientes das mesmas origens.
Relativamente à explosão de violência e vandalismo que atingiu este país, estamos todos de acordo em afirmar que ela é inadmissível e imperdoável. Mas que dizer das causas que a terão determinado?
Basicamente, a política colonial da França não se distinguiu, por aí fora, da que praticaram os outros países “civilizadores”. Até aqui, mesmas causas mesmos efeitos, nenhum dos países em questão conseguiu subtrair-se à herança legada por aquela política. Onde a França se distinguiu foi no desprezo a que votou os seus “protegidos” africanos, sobretudo senegaleses, após os ter utilizado na guerra, como carne para canhão, e os argelinos que optaram por uma Argélia francesa e por ela se bateram nas fileiras do exército francês. Mesmo se não foram estes os factos que despoletaram a bomba da violência, é mais do que certo que eles tiveram um efeito multiplicador nos ódios e rancores acumulados no seio das famílias atingidas por tal desprezo.
Quanto às causas profundas da explosão, elas são conhecidas e reconhecidas por todos as famílias políticas (exceptuando, obviamente, os neo-nazis) ao ponto de, as que passaram pelo poder, se não recusarem a mutualizar as culpas.
Com a população activa dizimada pela guerra, a França, durante os “trinta gloriosos”, viu-se na imperativa necessidade de recorrer à mão de obra estrangeira. A necessidade era de tal ordem que os imigrantes recrutados pelas delegações do Ministério do Trabalho enviadas aos países “exportadores” representaram uma percentagem mínima do total (cerca de 10%). Os candidatos a trabalhadores imigrantes vieram por si, em catadupas sucessivas, de Itália, de Espanha, da Argélia, de Marrocos, de Portugal e de diversos países da África Negra, e foram acolhidos de braços abertos pelas empresas que os foram aquartelando “tant bien que mal ”. Muitos deles, senão a maioria, passaram por bairros de lata e alojamentos insalubres antes de serem albergados em edifícios industriais desafectados, em barracões pré-fabricados e em “lares” especialmente concebidos para o efeito – os famosos foyers, dos quais, ainda hoje, subsistem alguns. Seguiram-se os planos de urbanização urgente, para fazer face ao aumento brutal da população (construção de torres de apartamentos de aluguer moderado, na periferia dos grandes centros urbanos, destinados aos trabalhadores franceses e estrangeiros) e a legislação destinada a favorecer a integração dos imigrantes na sociedade francesa: agrupamento familiar, escolarização das crianças etc. Só que, se a política de integração funcionou muito bem com os imigrantes europeus, relativamente aos africanos, cujos hábitos de vida (sociais, culturais, religiosos etc.) não tinham qualquer ponto comum com os da França, foi um autêntico desastre. Daqui resultaram diversas fracturas: empregos que não exigiam mão de obra qualificada para os africanos, os outros para os europeus; abandono das torres pelos franceses e europeus e transformação das mesmas em guetos para os africanos; fracasso escolar garantido para os filhos dos africanos, pois não encontrarem no seio da família nem no bairro continuidade para o que tentavam ensinar-lhes na escola. O resto facilmente se adivinha: empobrecimento, exclusão, delinquência, revolta e tudo o que vai avec, do outro lado da sociedade.
Estamos pois diante de uma bomba de retardamento, cujo rastilho se vem queimando há 40 anos e que os diversos governos, de esquerda e de direita, todos a braços com «problemas de outra ordem», fizeram que não viram.
Para terminar volto ao que disse no princípio: o assunto não cabe aqui. Peguei-lhe pelas pontas mais salientes e, mesmo assim, vejam lá onde já vou.

VHC

 

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