"Cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa"
A justiça é uma área onde as competências do Presidente têm alguma expressão, mas tanto o actual presidente como os candidatos à sua substituição parecem atacados de paralisia quando são forçados a pronunciar-se sobre o assunto. Aliás, as falinhas mansas de Jorge Sampaio no último Congresso dos Juízes lembraram a actuação de Pilatos na condenação de Cristo, tendo mesmo sido citado pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça para justificar o sua inenarrável intervenção.
A leitura do artigo de Francisco Sarsfield Cabral no DN Online, que abaixo se transcreve, deveria ajudá-los a perceber que "a cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa" que campeia na justiça é uma grave ameaça ao estado de direito que o Presidente da República tem obrigação de defender.
A leitura do artigo de Francisco Sarsfield Cabral no DN Online, que abaixo se transcreve, deveria ajudá-los a perceber que "a cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa" que campeia na justiça é uma grave ameaça ao estado de direito que o Presidente da República tem obrigação de defender.
"Os efeitos arrasadores que o caso Casa Pia tem tido na credibilidade do sistema judicial foram esta semana agravados com dois novos episódios as impensáveis declarações do procurador-geral da República (PGR) e a sintomática decisão do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de arquivar o processo contra o ex-director da PJ, Adelino Salvado, por violação do segredo de justiça em confidências telefónicas a um jornalista do Correio da Manhã.
Souto Moura foi ainda mais longe na sua proverbial insensatez, depois de o Tribunal da Relação ter decidido não levar a julgamento Paulo Pedroso e outros arguidos do caso Casa Pia. O PGR afirmou que a "investigação não foi a ideal", não por causa de erros graves de quem a conduziu mas devido às "resistências de todos os lados". E, não contente com isso, permitiu-se exigir ainda que lhe demonstrassem o fundamento da teoria da "cabala", invertendo assim o ónus da prova e as responsabilidades da investigação. Assim vai o Estado de direito.
As instituições judiciais vivem num mundo fechado sobre si mesmo, bloqueadas por uma cultura de irresponsabilidade e impunidade corporativa que desaconselha a autocrítica e auto-regulação dos erros, arbitrariedades e abusos cometidos pelos seus membros. Por isso, quando o Tribunal da Relação põe em causa os resultados de uma investigação, o PGR apressa-se a absolver os seus subordinados de qualquer falha comprometedora e a chutar a bola para canto. Por isso, também, quando são públicas e notórias as inconfidências de um magistrado que dirigiu a PJ, lançando suspeitas graves sobre dirigentes políticos e violando o segredo de justiça, o CSM limita-se a arquivar o caso. É incontestável que sem independência da justiça não existe Estado de direito. Mas haverá Estado de direito onde a justiça é o único sector da vida nacional que não é sancionável - pelos outros ou por si mesma?"
2 Comentários:
Em Julho de 2003, um jovem procurador “descobriu” uma rede de pedofilia em Outreau, no norte de França. Corroborado pela sua hierarquia, o homenzinho conseguiu pôr em marcha toda a máquina judicial a qual, cega e obstinada, encarcerou 6 inocentes e acusou outros sete de crimes abomináveis, tudo isto num aparato mediático digno de Hollywood.
Finalmente chegou-se à conclusão de que se tratava de um crime de incesto que implicava apenas 4 indivíduos os quais, com a cumplicidade – se assim se pode dizer – das crianças vítimas, inventaram outros culpados para “noyer le poisson”.
O procurador que interveio no julgamento de recurso reconheceu ter havido faltas graves e substituiu-se aos advogados de defesa, solicitando, ao júri, a absolvição dos inocentes.
O Ministro da Justiça pediu-lhes, publicamente, desculpa, tendo-se-lhe seguido, num gesto idêntico, o próprio Presidente da República.
O Primeiro Ministro promete indemnizações consequentes.
Só que, entretanto, um dos inocentes encarcerados não suportou a injustiça e pôs termo à vida! E depois, como reparar os danos morais causados às famílias destroçadas e às crianças arrancadas aos pais, para referir apenas os mais flagrantes?
Não pretendo, de modo nenhum, estabelecer qualquer paralelo entre o caso d’Outreau e o da Casa Pia, no que se refere à inocência ou culpabilidade dos arguidos, mas apenas assinalar que, no primeiro, a falta de rigor, de serenidade, de profissionalismo e sobretudo de sigilo – exigência primeira de todo o sistema judicial que se preze – conduziu a um verdadeiro desastre.
Quanto ao apuramento de responsabilidades, e não obstante o espernear discordante de alguns magistrados que temem pela independência da instituição, está em curso um inquérito administrativo da competência da “Inspection Générale des Services Judiciaires” – organismo dependente do Ministério da Justiça – e outro parlamentar, votado por unanimidade.
Porque é que a notícia apareceu esta semana? Os documentos estavam na PGR há muito tempo.
Talvez a história não seja assim tão simples...
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