segunda-feira, novembro 14, 2005

Pedras que falam

Afinal Marialva não era um fadista que gostava de touradas. A fazer fé no folheto que um estafeta do partido, disfarçado de camionista, lhe entregou numa venda de queijos à saída do IP5, Marialva era uma aldeia onde até as pedras falavam.

Ao ler aquilo, Super Calado agitou-se no banco de trás do Mercedes, não evitando a nervura que lhe arrepiou a face esquálida. Só lhe faltava as pedras falarem! Razão tinha ele quando quis afundar as do Côa, contra a opinião das forças de bloqueio.

- Se calhar vão-me obrigar a falar – exclamou, sobressaltando Bobo de Tunes, o manda-chuva nacional que modorrava a seu lado.

- Não é preciso. Em Marialva só há velhos e são do tempo em que ninguém falava. Para eles o Calado é o melhor – sossegou-o Bobo de Tunes.
- E as pedras?
- As pedras são do tempo da Inquisição e tirando o professor Sir Aiva ninguém entende o que dizem.

Como se exorcizasse as lembranças que lhe trouxera, Super Calado atirou pela janela o folheto que em tão má hora alguma abrupta inteligência se lembrara de escrever, e fechou o vidro, reconfortando-se na silenciosa cadência do diesel da Mercedes.
E naquele dia também não falou.

1 Comentários:

Às 14/11/05, 23:53 , Anonymous Anónimo disse...

Lá está a veia literária no seu melhor.
abraço

 

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