quinta-feira, novembro 10, 2005

Fazer o trabalho de casa

Não há memória de o Ministério Publico ter estado envolvido em tanta polémica como nos últimos anos. O uso e abuso das escutas telefónicas, o excessivo recurso à prisão preventiva com danos pessoais irreparáveis para os arguidos e custos orçamentais desnecessários, as grosseiras e nada inocentes violações do segredo de justiça, o desaparecimento de cassetes com gravações telefónicas, a corrupção de funcionários da Procuradoria, as buscas domiciliarias sem fundamento aparente – de que o tabuleiro de xadrez de Jorge Coelho é apenas o exemplo mais anedótico –, enfim, nos últimos anos várias têm sido as ocasiões em que o MP ocupou as primeiras páginas, raramente por bons motivos.

A sua cedência a objectivos políticos era uma desconfiança que ninguém se atrevia a exteriorizar, mas a sentença do Tribunal da Relação que acusa o Ministério Público de "tentativa de manipulação grosseira de depoimentos", a propósito da acusação de Paulo Pedroso, veio pôr o dedo na ferida.

Não pondo em causa que ao longo dos anos as crianças da Casa Pia tenham sido vítimas de abusos, quiçá com a complacência negligente dos que tinham a obrigação de olhar por elas, sempre me causou estranheza que os arguidos do Processo Casa Pia, para além do confesso Bibi, fosse tudo gente da alta: o mais famoso humorista português, o mais conhecido animador de televisão, um proeminente político dum grande partido, um embaixador, um médico, um advogado e um director da Casa Pia.

Não os conheço pessoalmente, nem sei se são inocentes ou culpados, mas a coincidência de as acusações recaírem apenas sobre tão mediáticas personalidades deveria ter levantado as mais sérias interrogações aos investigadores. À distância do meu sofá, o que me pareceu foi que a escolha dos arguidos fora feita a pensar na sua capacidade para pagar chorudas indemnizações, dando de barato a factualidade dos actos imputados.

Ao longo do processo as opiniões divergiram, havendo gente que não pestanejou quando Catarina Pestana garantiu que “as crianças não mentem”, enquanto outros juravam que as crianças eram afinal rapagões.
Em qualquer caso, depois de o Tribunal da Relação ter considerado as declarações das testemunhas "falsas, inventadas, contraditórias e delirantes", a afirmação de Catalina Pestana só pode ser interpretada como um serôdio rebate de consciência, ou bocejo de inimputável senilidade.
Se “essas crianças" são as mesmas que suportam a acusação contra os outros arguidos, já ninguém põe as mãos no fogo pela sua credibilidade e mais uma vez fica claro que o MP não fez os trabalhos de casa.

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