O Manifesto
“Amaldiçoado seja o palerma que anda entretido a piratear o Abrupto – ou, se a maleita do blogue é devida a erro informático, maldito seja então esse amontoado defeituoso de zeros e uns. Que arda no Inferno a besta – humana ou cibernética – que ofereceu ao Pacheco Pereira a sua última glória: o martírio.
Alguém quer calar o Pacheco Pereira. Porquê? Ninguém sabe. O Pacheco Pereira incomoda. Quem? Ninguém diz. Mas o bravo Pacheco Pereira persistiu, agarrado ao leme do blogue, e depois de tremer três vezes escreveu este post veemente. Veementemente escrito a negrito, para percebermos que o autor vocifera, e sublinhado a amarelo veementemente, para percebermos que o autor investe. Sobre quem? Ninguém percebe. Mas o leitor que não esteja preparado para tanta veemência em tão poucas linhas não deixará de se comover. Trata-se de um pequeno mas lancinante grito de insurreição em que a preposição “desde” (a mais insurrecta das preposições) é protagonista. “Desde o momento em que não sei quê”, principia Pacheco Pereira. Mas “desde o início da tarde que não sei que mais”, prossegue depois. Pelo meio recebeu mensagens de conforto, o que aproveita para agradecer “desde já”. No fim, a promessa que nenhum homem decente conseguirá ler sem que os olhos se lhe encham de água: “podem ter a certeza de que aconteça o que acontecer o Abrupto continuará. Não será por esta via que acabam com ele.” “Acabam”, diz ali. O sujeito permanece indeterminado, mas agora temos um plural. Eles. Ah, perniciosa matilha. Quem serão? Os comunistas, os socialistas, os próprios sociais-democratas? Os jornalistas, os informáticos, os benfiquistas? Os bombeiros, os travestis, os profissionais do sector dos lacticínios? Ninguém arrisca um palpite.
E, de facto, que se saiba, o blog prossegue como dantes, de modo que não chegamos a perceber se é a mordaça que é reles e barata ou se é a boca do censurado que de modo nenhum se deixa amordaçar, tão forte é a verdade das suas palavras. Também pouco importa, que o mal está feito. Apetece sair para a rua e escrever nas paredes “Ninguém há-de calar a voz do Pacheco Pereira”.
Perder o acesso ao Abrupto seria, para nós, pecadores do século XXI, perder o contacto com a santidade. Porque o Pacheco Pereira é uma espécie de Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, mas de âmbito mais alargado: observa todos os males do Mundo. E, assim como não há toxicodependentes no Observatório Europeu, também não há mal do Mundo que toque, sequer de raspão, em Pacheco Pereira. Há males nos blogues – mas não no de Pacheco Pereira. Há males na política – mas não na que Pacheco Pereira faz. Há males nos jornais – mas não nas páginas em que Pacheco Pereira escreve. Muito santo tem um homem de ser para passar impoluto num mundo tão indecente.
E, no entanto, abre-se o blog do Pacheco Pereira e fica-se com o computador a cheirar a éter. O Pacheco Pereira é um desses semideuses de que fala o Álvaro de Campos no “Poema em Linha Recta”. Nunca levou porrada, nunca foi ridículo, nunca fez vergonhas financeiras. O Pacheco Pereira não se espanta, não se aleija, não tropeça, não duvida, não hesita, não ri. O Pacheco Pereira não faz um gesto que não o enobreça, não tem um prazer que não o edifique, não cede a um vício que não seja, vendo bem, uma virtude. O Pacheco Pereira nunca escreve com as mãos sujas. O Pacheco Pereira é um homem carregado de sentido. Eu gostaria de adquirir uma viatura em segunda mão ao Pacheco Pereira. O Pacheco Pereira cheira magnificamente da boca. O Pacheco Pereira nu é belíssimo. O Pacheco Pereira é de tal forma superlativo que já merecia ser elogiado no Abrupto pelo Pacheco Pereira. O Pacheco Pereira publica opiniões de leitores: uns gostam imenso do que o Pacheco Pereira escreve; outros gostam ainda um pouco mais. O Pacheco Pereira propõe discussões que normalmente envolvem a elaboração de listas. E os leitores discutem e elaboram. De manhã, à hora a que a generalidade dos homens está a fazer a barba, o Pacheco Pereira está a pendurar poemas no blogue. E pendura-os com a mesma burocracia nos gestos com que os outros homens fazem a barba. Os homens não fazem comentários à barba e o Pacheco Pereira também não comenta os poemas. Os homens não se emocionam com a cara escanhoada e o Pacheco Pereira também não se emociona com os versos. Deus livre o Pacheco Pereira de ser tomado por uma das emoções humanas. O Pacheco Pereira exibe poemas como aqueles senhores, na rua, exibem os genitais. Abre a gabardina e mostra um soneto. Baixa as calças e revela uma ode. Os poemas são escolhidos pelo Pacheco Pereira, mas há quem diga que podiam ser escolhidos por uma máquina, sem diferenças no resultado final. Sinceramente, duvido. Não creio que a máquina conseguisse escolhê-los tão automaticamente.”
Para os que quiserem continuar a manifestar-se, há mais RAP aqui, e, sobretudo, ali.
Alguém quer calar o Pacheco Pereira. Porquê? Ninguém sabe. O Pacheco Pereira incomoda. Quem? Ninguém diz. Mas o bravo Pacheco Pereira persistiu, agarrado ao leme do blogue, e depois de tremer três vezes escreveu este post veemente. Veementemente escrito a negrito, para percebermos que o autor vocifera, e sublinhado a amarelo veementemente, para percebermos que o autor investe. Sobre quem? Ninguém percebe. Mas o leitor que não esteja preparado para tanta veemência em tão poucas linhas não deixará de se comover. Trata-se de um pequeno mas lancinante grito de insurreição em que a preposição “desde” (a mais insurrecta das preposições) é protagonista. “Desde o momento em que não sei quê”, principia Pacheco Pereira. Mas “desde o início da tarde que não sei que mais”, prossegue depois. Pelo meio recebeu mensagens de conforto, o que aproveita para agradecer “desde já”. No fim, a promessa que nenhum homem decente conseguirá ler sem que os olhos se lhe encham de água: “podem ter a certeza de que aconteça o que acontecer o Abrupto continuará. Não será por esta via que acabam com ele.” “Acabam”, diz ali. O sujeito permanece indeterminado, mas agora temos um plural. Eles. Ah, perniciosa matilha. Quem serão? Os comunistas, os socialistas, os próprios sociais-democratas? Os jornalistas, os informáticos, os benfiquistas? Os bombeiros, os travestis, os profissionais do sector dos lacticínios? Ninguém arrisca um palpite.
E, de facto, que se saiba, o blog prossegue como dantes, de modo que não chegamos a perceber se é a mordaça que é reles e barata ou se é a boca do censurado que de modo nenhum se deixa amordaçar, tão forte é a verdade das suas palavras. Também pouco importa, que o mal está feito. Apetece sair para a rua e escrever nas paredes “Ninguém há-de calar a voz do Pacheco Pereira”.
Perder o acesso ao Abrupto seria, para nós, pecadores do século XXI, perder o contacto com a santidade. Porque o Pacheco Pereira é uma espécie de Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, mas de âmbito mais alargado: observa todos os males do Mundo. E, assim como não há toxicodependentes no Observatório Europeu, também não há mal do Mundo que toque, sequer de raspão, em Pacheco Pereira. Há males nos blogues – mas não no de Pacheco Pereira. Há males na política – mas não na que Pacheco Pereira faz. Há males nos jornais – mas não nas páginas em que Pacheco Pereira escreve. Muito santo tem um homem de ser para passar impoluto num mundo tão indecente.
E, no entanto, abre-se o blog do Pacheco Pereira e fica-se com o computador a cheirar a éter. O Pacheco Pereira é um desses semideuses de que fala o Álvaro de Campos no “Poema em Linha Recta”. Nunca levou porrada, nunca foi ridículo, nunca fez vergonhas financeiras. O Pacheco Pereira não se espanta, não se aleija, não tropeça, não duvida, não hesita, não ri. O Pacheco Pereira não faz um gesto que não o enobreça, não tem um prazer que não o edifique, não cede a um vício que não seja, vendo bem, uma virtude. O Pacheco Pereira nunca escreve com as mãos sujas. O Pacheco Pereira é um homem carregado de sentido. Eu gostaria de adquirir uma viatura em segunda mão ao Pacheco Pereira. O Pacheco Pereira cheira magnificamente da boca. O Pacheco Pereira nu é belíssimo. O Pacheco Pereira é de tal forma superlativo que já merecia ser elogiado no Abrupto pelo Pacheco Pereira. O Pacheco Pereira publica opiniões de leitores: uns gostam imenso do que o Pacheco Pereira escreve; outros gostam ainda um pouco mais. O Pacheco Pereira propõe discussões que normalmente envolvem a elaboração de listas. E os leitores discutem e elaboram. De manhã, à hora a que a generalidade dos homens está a fazer a barba, o Pacheco Pereira está a pendurar poemas no blogue. E pendura-os com a mesma burocracia nos gestos com que os outros homens fazem a barba. Os homens não fazem comentários à barba e o Pacheco Pereira também não comenta os poemas. Os homens não se emocionam com a cara escanhoada e o Pacheco Pereira também não se emociona com os versos. Deus livre o Pacheco Pereira de ser tomado por uma das emoções humanas. O Pacheco Pereira exibe poemas como aqueles senhores, na rua, exibem os genitais. Abre a gabardina e mostra um soneto. Baixa as calças e revela uma ode. Os poemas são escolhidos pelo Pacheco Pereira, mas há quem diga que podiam ser escolhidos por uma máquina, sem diferenças no resultado final. Sinceramente, duvido. Não creio que a máquina conseguisse escolhê-los tão automaticamente.”
Para os que quiserem continuar a manifestar-se, há mais RAP aqui, e, sobretudo, ali.
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