"Face ao que se passou nos dois últimos jogos, a selecção portuguesa corre o sério risco de não estar presente no Euro 2012 tal como aconteceu, no Campeonato do Mundo de 1998, com Artur Jorge, como seleccionador.
As razões, num caso e noutro, são semelhantes. As escolhas dos respectivos seleccionadores não foram ditadas pela capacidade e competência de cada um, encaradas nas suas múltiplas valências, mas porque ambos beneficiavam do apoio ostensivo de “quem manda no futebol”. Este simples facto, mesmo que tivesse sido ditado pelas melhores e mais nobres razões – e a gente sabe que não foi – seria suficiente, à partida, para se criar à volta da selecção um clima de indiferença ou até de hostilidade da quase totalidade das pessoas que noutras circunstâncias a apoiariam com entusiasmo, mesmo não esquecendo que o público que se interessa pela selecção é um público muito mais vasto do que aquele que acompanha a vida dos clubes.
Carlos Queiroz, além de ter contra si este indesmentível facto, concita também, pela sua personalidade e capacidade técnica – arrogância, ausência de auctoritas, incapacidade de “ler” o jogo, arbitrariedade nas escolhas, incapacidade de comunicar com o público, etc. -, uma generalizada antipatia que apenas poderia ser relativamente atenuada com um percurso quase cem por cento vitorioso.
Como não foi, nem se antevia que pudesse vir a ser, dadas as suas conhecidas limitações, Carlos Queiroz era, à partida, um seleccionador condenado.
Logo que a ocasião chegou – e a ocasião chegou com a prestação da selecção na África do Sul –, o povo do futebol em geral não teve qualquer dúvida em pedir a sua substituição. Não estava tanto em questão a classificação da selecção na África do Sul, como o modo pouco ambicioso e timorato como a alcançou.
Madail, que não sendo nenhum génio está longe de ser estúpido, terá percebido imediatamente que Queiroz não tinha futuro. Todavia, como é um dependente e tendo certamente em jogo interesses pessoais que quem está de fora tem dificuldade em quantificar, optou por manter Queiroz, certo de que o grupo de apuramento para o Euro 2012, sendo fácil, permitiria à selecção um percurso quase totalmente vitorioso, o que ajudaria a acalmar as coisas por mais dois anos.
Como no futebol as previsões ainda falham mais do que na economia, Madail enganou-se redondamente e, mesmo antes de os resultados terem acontecido, deparou-se com uma acusação grave feita ao seleccionador pela Autoridade Anti-Dopagem, que o obrigou a instaurar um processo disciplinar no quadro da conhecida autonomia de que gozam, no desporto, os movimentos associativos (como as federações) relativamente ao Estado.
Acontece que o órgão encarregado de instruir e decidir sobre o processo disciplinar, viciado em décadas de traficância desportiva, historicamente sujeito às mais diversas pressões e tendo atrás de si um cadastro de parcialidade e de dependência relativamente a quem o escolheu, não percebeu, estupidamente, que a matéria sobre que estava a tratar era uma daquelas – poucas – que o Estado não tinha entregado totalmente à auto-regulação das entidades desportivas.
Como o doping é uma questão de interesse público, relativamente à qual o Estado não abdica das suas competências preventivas, fiscalizadoras e punitivas, breve se percebeu que a “sanção” aplicada a Queiroz não passava de uma farsa porventura destinada a ser atenuada ou até revogada no subsequente órgão de recurso, que tem historicamente um cadastro porventura ainda mais lamentável do que aquele que decidiu em “primeira instância”.
Perante este facto, o Secretário de Estado do Desporto agiu: avocou a competência prevista na lei para os casos de doping e entregou o assunto à Autoridade Antidopagem, do Instituto do Desporto de Portugal. Não é lícito nesta matéria fazer juízos de intenção sobre a actuação do Secretário de Estado do Desporto. Quaisquer que tenham sido as suas motivações emocionais, elas são totalmente irrelevantes para o caso, já que com a sua conduta apenas se limitou a cumprir a lei."
..."Alias, é caso para perguntar, tendo em conta a importância, em diversos planos, da selecção para o país e para os portugueses em geral, se o Estado deve abdicar pura e simplesmente de ter uma palavra que aponte no sentido de escolhas e de comportamentos exclusivamente ditados pelo interesse da selecção, evitando ou impedindo que interesses espúrios da mais variada ordem – dos clubes, da rivalidade entre eles, dos empresários, das negociatas típicas do futebol, etc., etc., - prevaleçam contra o tratamento sério e competente de assunto que é cada vez mais de interesse nacional."
(JM Correia Pinto - ... A quem interessa o caos?)