Depois da última revisão aprovada com os votos da actual maioria CDS e PSD, com a abstenção do PCP e BE, o que de acordo com esta revisão contou a favor, a Constituição passou finalmente a ter limites, tendo o PS abandonado o hemiciclo antes da votação, passando à clandestinidade.
A culpa de todas as nossas desgraças estava na velha Constituição de 1976. Agora que se limitou a cinco o número de dias anuais de greve, sob pena de dissolução dos sindicatos do respectivo sector, continuou a ser respeitado o direito à greve mais evitam-se os abusos de antigamente.
Outro escândalo eram as doenças. Com a restrição das consultas a duas por ano - uma de clínica geral outra de especialista - diminuíram as doenças e as cirurgias têm de ser previamente aprovadas por uma junta médica, acabando-se de vez com as filas de espera e já sobram médicos de família. Aos doentes que morrem por falta de cirurgia é permitido recorrer às tribunais. Às famílias não, que o enriquecimento ilícito deixou de ser permitido.
Para resolver o crónico atraso dos tribunais nem foi preciso mexer na constituição. Bastou alterar os códigos de processo: Em processo civil, reduziram-se os prazos de prescrição para seis meses, prazo em que o processo é arquivado se entretanto não for julgado.
No processo penal, tudo é resolvido pelo ministério público na fase de inquérito, dispensando juízes e julgamento, recorrendo à assessoria do Correio da Manhã nos casos em que os arguidos sejam saudosistas da constituição de 1976 e seja preciso "formatar" indícios para os condenar.
A Constituição continua a prever a escola pública até aos onze anos, altura em que um aluno médio completou a aprendizagem equivalente à antiga quarta classe. Porém, apenas para as famílias mais pobres. A prova de mais-pobreza carece de certidão do banco alimentar.
A Constituição continua a permitir aumentar os impostos até cem por cento do rendimento das famílias, ou até mais, proibindo porém todo e qualquer imposto sobre as empresas, com excepção do IVA, enquanto não se concretizar a saída da União Europeia determinada por esta revisão.
Limitou-se finalmente o endividamento a 50% do PIB mas enquanto o deficit continuar acima dos 5%, o governo suspendeu a constituição, tanto nessa parte como na limitação do deficit a 3%.
Em contrapartida, o superavit anual de cinco por cento, a que a nova constituição obriga, nunca foi atingido.
A defesa da constituição é agora da competência exclusiva do ministério público, apoiada pelo seu órgão policial privativo, a Polícia da Justiça, que avocou as atribuições da antiga Polícia Judiciária e de todos os serviços de informações. Esta velha aspiração do ministério público foi finalmente concretizada, varrendo o caduco Tribunal Constitucional para o museu das velharias.
Para garantir a pureza democrática de quem nos governa, ninguém chega a presidente nem vai para o governo sem passar pelo crivo do Ministério Público. Aliás, em Belém e em São Bento, residem agora antigos procuradores.
As televisões continuam a cores, com horóscopos de meia em meia hora.
Os cinco milhões de emigrantes vão garantindo a sobrevivência dos cinco milhões que ficaram.
O país respira paz.