Pobres de pobres são pobresinhos,
Almas sem lares, aves sem ninhos...
Passam em bandos, em alcateias,
Pelas herdades, pelas aldeias.
É em Novembro, rugem procellas...
Deos nos acuda, nos livre d'ellas!
Vêm por desertos, por estevaes,
Mantas aos hombros, grandes bornaes.
Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias...
Filhos de Christo, filhos d'Adão,
Buscam no mundo codeas de pão!
Há-os ceguinhos, em treva densa,
D'olhos fechados desde nascença.
Há-os com f'ridas esburacadas,
Roxas de lirios, já gangrenadas.
Uns de voz rouca, grandes bordões,
Quem sabe lá se serão ladrões!...
Outros humildes, riso magoado,
Lembram Jesus que ande disfarçado...
Engeitadinhos, rotos, sem pão,
Tremem maleitas d'olhos no chão...
Campos e vinhas!... hortas com flores!...
Ai, que ditosos os lavradores!
Olha, fumegam tectos e lares...
Fumo tão lindo!... branco, nos ares!...
Batem ás portas, erguem-se as mães,
Choram meninos, ladram os cães...
Resam e cantam, levam a esmola,
Vinho no bucho, pão na sacola.
Fructa da horta, caldo ou toucinho,
Dão sempre os pobres a um pobresinho.
Um que tem chagas, velho, coitado,
Quer ligaduras ou mel-rosado.
Outro, promessa feita a Maria,
Deitam-lhe azeite na almotolia.
Pelos alpendres, pelos curraes,
Dormem deitados como animaes.
Em caravanas, em alcateias,
Vão por herdades, vão por aldeias...
Sabem cantigas, oraçõesinhas,
Contos d'estrellas, reis e rainhas...
Choram cantando, penam resando,
Ai, só a morte sabe até quando!
Mas no outro mundo Deos lhes prepara
Leito o mais alvo, ceia a mais rara...
Os pés doridos lh'os lavarão
Santos e santas com devoção.
Para laval-os, perfumaria
Em gomil d'ouro, d'ouro a bacia.
E embalsamados, transfigurados,
Tunicas brancas, como em noivados,
Viverão sempre na eterna luz,
Pobres bemditos, amen, Jesus!...
Outubro—1891
Guerra Junqueiro