Para alguns, ser de esquerda ou de direita pode ser um conceito relativo e conjuntural. Assim se explicou o voto favorável do PPD de Sá Carneiro na Constituição de 1976, “
empenhada na transformação (da República
) numa sociedade sem classes”, que tinha “
por objectivo assegurar a transição para o socialismo” (artigos 1º e 2º).
Por essa altura muita gente ainda andava à procura do seu lugar na democracia, mas à medida que as águas se foram separando, muitos passaram da esquerda para a direita e outros fizeram o percurso inverso. No campo do maoismo houve as mudanças mais surpreendentes, com gente a ficar a meio caminho (v.g. Saldanha Sanches) e outros a fazerem cambalhotas completas, cedendo aos encantos do “inimigo capitalista” que diziam combater (v.g. Durão Barroso e José Pacheco Pereira). Nem sempre são benquistos nas hostes onde se acolhem, mas a sua vertente aguerrida, própria dos movimentos de onde provêm, compensam os vícios do livre pensamento que por vezes ainda os “atraiçoa”.
Vem isto a propósito do artigo de JPP transcrito no
Abrupto, que retalha sem dó nem piedade Francisco Louça, alguém que se mantém fiel às ideias que tanta comichão agora causam aos trânsfugas citados.
O que Cavaco Silva não conseguiu numa hora de debate com o líder do BE tenta agora JPP com o seu artigo. Começa por estranhar a liberdade “
concedida pelos jornalistas e pelos seus adversários” (sic) a Louçã o que terá permitido ao líder do BE expressar as suas ideias “sem baias”.
A contrário, fica por esclarecer se JPP quis dizer que os outros candidatos têm baias ou não têm ideias.
Até a experiência política de Louçã, no entender de JPP só comparável à de Soares (81 anos) e Alegre (69 anos) que “
têm a desvantagem de parecer mais velhos”, também conta negativamente. Francisco Louça tem 47 anos e, como diz Pacheco Pereira, “
faz política profissional desde a adolescência, antes do 25 de Abril”, o que pelos vistos não foi impeditivo de se doutorar em Economia.
O facto de Francisco Louçã ter mais experiência política, não abona em favor da sensibilidade política de Cavaco Silva, que sendo muito mais velho e apesar de ter frequentado uma faculdade onde havia movimentações políticas e alguns professores eram conhecidos opositores do regime, só acordou para a democracia depois do 25 de Abril.
No debate entre ambos, os conhecimentos de Francisco Louçã chegaram para o embatucar. Isso foi tão evidente que até JPP concede que o debate correu “particularmente” bem ao líder do BE. Porém a sua liberdade de pensamento já não vai ao ponto de tirar a outra conclusão que se impunha: A de que esse debate correu “particularmente” mal a Cavaco Silva.
Embora não o assumindo, a intenção de JPP ao escrever este violento artigo, dirigido sobretudo aos apoiantes de Cavaco Silva, é atenuar a frustração causada pela humilhante derrota sofrida pelo seu candidato, à vista de todos os portugueses. Porém, a imagem de um Cavaco Silva, vencido no seu próprio terreno por um economista que não se assustou com os jargões que vinham aterrorizando o país, irá permanecer por muito tempo na memória dos que viram o debate.
As sequelas deixaram marcas e o artigo de JPP é um exorcismo para animar as hostes contagiadas pela palidez do seu candidato. Como um guru guiando as multidões ignaras, JPP aponta o cajado da maldição ao líder do BE e lança-lhe um anátema que tresanda a obscurantismo: “
O mundo de Louça é obscuro para quem apenas o ouça a fazer grandes debates e para a maioria das audiências que o conhece apenas da televisão e da propaganda.” Rematando com este primor: “
ouvi-lo pode ser mavioso, moderno e desempoeirado, mas tomá-lo à letra é sinistro”.
Sendo Pacheco Pereira um homem que vive da palavra, isto é surpreendente.
As tentativas de silenciamento não dão saúde à democracia.