Falo por mim, mas certamente podia falar por muitos milhares, senão milhões.
As minhas primeiras referências a Mário Soares remontam às eleições marcelistas de 1969. Foi um período de relativo abrandamento da censura, que endureceria logo após o manobrado acto eleitoral. O PS ainda não tinha sido fundado e Soares concorreu com a sua Acção Socialista Portuguesa sob a sigla CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática) que integrava alguns monárquicos e católicos de esquerda.
As minhas preferências iam no entanto para a CDE de Tengarrinha e Pereira de Moura, o professor de Económicas que nessa época era um ídolo da juventude académica.
Após o 25 de abril, no entanto, reparei que nem todos os antifascistas eram iguais - alguns até se julgavam "mais iguais do que outros" - e a democracia, a que até os fascistas da União Nacional subitamente aderiram, também tinha as suas nuances...
Pouco a pouco, porém, foi-se tornando claro que a matriz da democracia era a liberdade, algo que, sendo simples, é sistematicamente "esquecido": O panorama da comunicação social portuguesa e do comentário político onde não há pluralismo, é um exemplo de como esse "esquecimento" põe em perigo a liberdade e a democracia.
Foi isto que Mário Soares me ensinou: a capacidade saber quando a liberdade corre perigo. Ninguém como ele identificou os responsáveis, denunciando-os na praça pública, alguns até do seu partido. Enquanto a vida lhe deu forças, nunca pactuou com os inimigos da liberdade.
É esta a herança que nos deixa.